Entrevista com Leslie Long

[English version]

[versión en Español]

[Transcrição da Entrevista]

 

Bem-vindos à primeira temporada de Voices of Local Leaders, uma série de entrevistas criada pela iniciativa ‘Science Yourself’ para promover e reconhecer os esforços de profissionais e membros da comunidade da grande New Haven. Esses líderes e suas iniciativas locais valorizam informações factuais, alfabetização científica e pensamento crítico como as bases fundamentais para avanços em educação, envolvimento com a comunidade e transformação social.

É nossa grande honra dar o pontapé inicial na série Voices of Local Leaders com esta entrevista encantadora com Leslie Long, conduzida em outubro de 2020. Agradecemos muito a Leslie por conversar conosco e compartilhar suas opiniões inspiradoras sobre a educação de ciências. Sua grande paixão por ciências, educação e desenvolvimento infantil são tão contagiantes e perspicazes que apostamos que esta entrevista fará com que você reveja a imagem que tem sobre estes tópicos. Esperamos que todos apreciem aprender mais sobre a experiência e motivação de Leslie como nós apreciamos!



Transcrição da Entrevista

“Meu nome é Leslie Gill Long e atualmente trabalho como facilitadora de ciências para a fundação Seedlings Foundation, uma organização sem fins lucrativos que promove a boa educação de todos os tipos. Eu queria ser professora desde pequena e esse impulso nunca me deixou. Então, eu, primeiramente, adoro ensinar crianças e essa é minha prioridade número um. E eu também adoro todas as coisas relacionadas a ciências. Então, uma combinação muito natural dessas duas coisas levou-me a me tornar uma professora de ciências. Eu ensinei crianças por mais de 30 anos, mais recentemente na escola Foote School. Eu acabei de me aposentar de lá no ano passado, onde eu ensinei ciências principalmente para a 8ª série. Eu fui presidente do departamento e coordenadora do Programa de ciências da Lower School, envolvendo crianças do jardim de infância até a 9ª série.”


[Science Yourself] O que a fez se interessar por ciências em geral e mais especificamente por educação de ciências?

[Leslie Long] Você sabe o que foi? Realmente foi um professor excelente. Eu não fui para a faculdade pensando... Eu queria ser professora, mas não queria ser professora de ciências. Eu adorava ciência, tinha muita curiosidade pelo mundo, mas não me ocorreu que seria um caminho que eu seguiria; até que eu fiz um curso com um professor realmente inspirador. E não era que ele fosse particularmente acolhedor ou dinâmico em sua personalidade. Ele era um professor de química um pouco seco, mas apresentava o material de uma forma que era completamente atraente e fascinante, e conectava o tópico da química à biologia e à geologia. De alguma maneira, ele conseguiu tornar toda a ciência clara e interessante. Então, realmente foi um professor que me inspirou, e foi só quando eu estava no segundo ano da faculdade que isso aconteceu. E então eu fiz todos os cursos de ciências que eu poderia me encaixar, em todos os tipos de disciplinas. Eles não contavam para a minha especialização, mas eu amei tanto que continuei além da minha graduação e fazendo todos os cursos que eu poderia fazer, porque é tão intrinsecamente interessante para mim.


[Science Yourself] Você também está envolvida no treinamento e capacitação profissional de professores de escolas públicas. O que despertou seu interesse em ajudar outros educadores?

[Leslie Long] Grande parte da minha responsabilidade que eu senti ao ensinar crianças era ajudar a desenvolver cidadãos cientificamente alfabetizados. E uma maneira de fazer isso, de forma mais ampla, é educar professores [e professoras], para que eles possam educar as crianças, e isso tem uma espécie de efeito multiplicador, para realmente compreender ciências, não ter medo de ciências e poder promovê-la com seus filhos, com seus alunos [e alunas] e com os pais de seus alunos.


“Eu vou te dizer uma coisa que a ciência não é. Ela não é uma coleção de fatos. Ciência é realmente o processo de usar evidências para responder perguntas sobre o mundo natural”

[Science Yourself] Quando você está ensinando, como você apresenta o que a ciência é para seus alunos e outros educadores?

[Leslie Long] Eu vou te dizer uma coisa que a ciência não é. Ela não é uma coleção de fatos. Acho que a ciência é tanto um processo quanto qualquer outra coisa. Acho que é realmente o processo de usar evidências para responder perguntas sobre o mundo natural, sobre o mundo material, sobre o fenômeno que observamos.  Fico um pouco doida quando vejo essas listas nas salas de aula do Ensino Médio, e às vezes até no Ensino Fundamental, sobre o que é ciência e o método científico. Acho que podemos reduzir isso. Às vezes, são muitos e muitos passos rígidos. Isso não é o que você vê na maioria das boas salas de aula de ciências. Então, realmente, resume-se a fazer perguntas e respondê-las usando evidências. E podemos expandir isso. Podemos dizer que é [também] comunicar seus resultados, analisar os dados, tudo isso vem à tona. Mas no cerne estão as perguntas e evidências e a resposta a essas perguntas.

IMG_1191.jpg
Leslie demonstrando uma lição de ciências no laboratório de química com seus estudantes

O corpo de informações e fatos cresce e cresce e cresce, e simplesmente nenhum de nós tem acesso a isso tudo em nossas mentes. Não se pode esperar que façamos isso, não é um bom uso de nossas mentes memorizar muitos e muitos fatos. Os fatos são úteis. Por exemplo, com minhas alunas [e alunos] da 8ª série, eles costumavam pensar no início que tinham que memorizar a tabela periódica [de elementos químicos]. E eu digo 'não, não, não, não, não'. Vocês possuem a tabela periódica. Por outro lado, se você usar o suficiente e fizer química o suficiente, que era basicamente o que eles estavam fazendo, alguns desses fatos se tornam parte do seu banco de memória. Mas não adianta memorizar coisas que você pode consultar. A menos que seja algo ao qual você precise ter acesso rápido.

E pode ser fascinante. Tive um estudante que queria aprender [a tabela periódica] tanto em inglês quanto em chinês, idioma que ele estava estudando. Isso é ótimo, isso é bom, tudo bem. Mas o mais importante é vê-la como uma ferramenta e ela é útil dessa forma.

[Science Yourself] Quais são os benefícios que você vê em ter uma abordagem mais interdisciplinar, em que os tópicos de ciências são incorporados a outras disciplinas?

[Leslie Long] Um lugar onde isso foi bem articulado foi quando a educação STEM surgiu pela primeira vez, e foi a fundação National Science Foundation que cunhou este termo. E o que eles realmente queriam era que fosse interdisciplinar e não apenas ciência, tecnologia, engenharia e matemática, mas sim uma interseção de todas as disciplinas. Porque nós sabemos [devido ao] nosso trabalho em desenvolvimento infantil ([não apenas] meu trabalho pessoal, mas também o trabalho sobre o qual li e entendo), é que é mais significativo para as pessoas aprenderem em um contexto mais amplo. Informações isoladas podem ser muito interessantes, mas quando você pode aplicá-las de forma mais ampla, não há dúvida de que é mais significativo. Não existe uma disciplina que eu possa realmente pensar à qual ciências não possa ser conectada. Veja, por exemplo, Biologia e Química. Processos biológicos são processos químicos, certo? Eu sou casada com um físico e ele argumentaria que tudo é governado pelas leis da física. Então, sim, isso não existe por si só.

Minha perspectiva é que, uma vez adotada, isso pode realmente tornar a vida mais fácil. E isso realmente libera os professores [e professoras] e lhes dá tempo porque, enquanto estão ensinando literatura, eles podem reforçar conceitos de ciências, e vice-versa. Por exemplo, uma das coisas importantes que vemos em ciências é padrão. Vemos padrões nos dados, vemos padrões em todos os tipos de coisas. Padrão são também importantes em arte. Arte e ciência parecem tópicos facilmente integrados e combinados. Há muita arte em ciências e muita ciência em arte. A vida não é dividida assim, e a escola também não deveria ser. É artificial para mim.


“Há muita arte em ciências e muita ciência em arte. A vida não é dividida assim, e a escola também não deveria ser”


[Science Yourself] Como você vê a abordagem científica e o pensamento crítico em sua vida cotidiana?

[Leslie Long] Eu não consigo imaginar não abordar muito do que faço de uma perspectiva científica. Quando eu compro coisas e penso sobre o quão seguras elas são, quero saber se elas foram testadas. Quando penso na minha saúde, ou no que vou fazer para mantê-la. Tomar vacinas. Eu olho as evidências e confio no processo científico. Eu sei que há um grupo de cientistas que passou por uma revisão por pares antes que as decisões fossem tomadas, antes que as recomendações fossem feitas. Tem mesmo a ver com saúde, tem a ver com segurança, tem a ver com a viabilidade do nosso mundo. Porque estamos tomando decisões sobre quais carros comprar, estamos tomando decisões sobre quais formas de energia estamos dispostos a aceitar e simplesmente temos que olhar os dados. Ignorar os dados é uma decisão que fazemos por nossa própria conta e risco. Portanto, [a perspectiva científica] é uma parte intrínseca da minha vida e não consigo imaginar que não seja.

Que melhor alternativa nós temos? O que há de melhor do que o processo científico? Eu acho que as pessoas não entendem que esse processo é revisado por pares, dando-nos o que há de melhor disponível. Isso não quer dizer que as coisas não podem mudar, que as recomendações não podem mudar se as evidências mudarem. Isso não invalida o que foi feito, apenas representa mais progresso sobre o que foi feito. Mas acho que as pessoas não percebem isso. E quando ouvem que algo que foi validado cientificamente se torna inválido, isso as torna céticas sobre todo o processo. Mas é assim que funciona: constantemente promovendo nosso conhecimento. E os cientistas [podem] modificar as recomendações com base nesse conhecimento [mais abrangente]. [O processo] é dinâmico e é fundamental para uma [estabelecer] cidadãos informados. A ciência pode não ser perfeita para fazer recomendações para nós, mas não há nada melhor. E eu confio nela!

 

[Science Yourself] Qual é um mito ou equívoco comum sobre ciências que você tenha encontrado na sala de aula com seus alunos? E como você contorna esse desafio?

[Leslie Long] Eu acho que a maioria das crianças vem até nós com uma curiosidade inata. Eu não deveria dizer a maioria das crianças; eu nunca conheci uma criança que não tivesse [curiosidade]. Mas, quando elas ficam um pouco mais velhas, elas têm uma ideia muito rígida do que seja um cientista. Se você pedir a elas que desenhem um cientista, elas provavelmente desenhariam um homem, com um jaleco branco, talvez com um cabelo rebelde e uma cabeça grande. Quando estão no ensino médio, elas muitas vezes veem a ciência como algo meio diferente, não delas, não algo que possam ser. Essa noção pode ser rejeitada mostrando que os cientistas vêm em todos os tipos e que elas podem ser cientistas. O melhor ensino de ciências simula o processo da ciência. Eles estão fazendo perguntas, eles não sabem a resposta para essas perguntas, eles estão coletando dados, os dados são o que responde a pergunta, eles entendem que os dados têm que ser reproduzíveis. E sabe de uma coisa? Os dados contam a história. Simplesmente funciona. Eu não tenho que falsificar nada; os dados contam a história. Às vezes, eles vão tirar conclusões. Eu peço a eles que se envolvam em discussões produtivas sobre essas conclusões e que comuniquem isso a seus colegas. Isso é ciência! Isso é passar pelo processo da ciência o mais próximo possível do trabalho dos pesquisadores de laboratório.


Acho muito reconfortante saber que você não precisa ter todas as respostas. E que você pode simplesmente explorar com as crianças


[Science Yourself] E quanto aos equívocos sobre ciência que os educadores têm trazido para você durante as sessões de treinamento profissional?

[Leslie Long] A maioria das professoras [e professores] com quem trabalho são da pré-escola até a 8ª série. E aqueles que não são especialistas em ciências, e muitos deles não são, provavelmente tiveram um curso de métodos de ciências, provavelmente tiveram algumas aulas de ciências, mas acho que não seria injusto dizer que muitos deles são um pouco temerosos em relação à ciência. Eu acho que, embora alguns deles sejam jovens e devam ter passado por um programa baseado em investigação, eles pensam que a ciência é esta lista de fatos. E que eles não podem aprender esta lista de fatos. E sabe de uma coisa? Eu não tenho essa lista de fatos para toda a ciência. Isso é um monte de coisas.

Então é isso que temos que mudar: para que eles entendam que se uma criança fizer uma pergunta, eles não serão malsucedidos se não souberem a resposta para essa pergunta. O que o torna bem-sucedido é se você estiver disposto a dizer: “Bem, vamos descobrir juntos”. E às vezes isso significa mudar um pouco a questão. [Por exemplo], se uma aluna [ou aluno] de pré-escola lhe perguntar algo sobre por que o céu é azul. Você não vai explicar todo o espectro... A explicação para isso é uma explicação aprofundada. Mas o que você pode fazer é virar essa pergunta e dizer “Bem, o céu é sempre azul? Como é o céu de manhã em comparação com a noite?” O trabalho de um professor, eu acho que em parte, é mudar as perguntas não investigáveis para perguntas investigáveis ou testáveis. E isso, muitas vezes, é tirar o grande como e o por que e o e se fizermos isso. Você pode relacionar isso a quase qualquer dúvida que uma criança tenha. E isso não significa descartar a pergunta deles.

IMG_1186.jpg
Leslie in uma visita de campo ao Long Island Sound

Você pode dar a eles uma resposta que eles possam entender, [embora] seja um desafio responder a perguntas difíceis de uma forma que uma criança possa entender. Mas fazer com que eles investiguem isso é realmente, eu acho, o que estamos buscando aqui.

É toda uma mudança de paradigma, eu acho. Os [professores e professoras] que ajudamos a treinar na Seedlings, eles estão surpreendentemente receptivos, especialmente depois de terem praticado. Acho muito reconfortante saber que você não precisa ter todas as respostas. E que você pode simplesmente explorar com as crianças. Isso é realmente o ideal. Então, para séries mais avançadas do que o ensino fundamental, é bom ter conhecimento prévio suficiente para ser capaz de direcionar a pergunta de uma forma que seja realmente significativa. Mas eu acho que estamos ensinando as professoras [e professores] a terem alguma autoconfiança. Porque você sabe o quê? Eles podem fazer isso. Todo professor [e professora] pode fazer isso! É alegre, é muito divertido fazer isso. É o explorar. As crianças adoram e os adultos adoram.

Você sabe o que também é prazeroso? Você vê muita ciência cidadã onde as pessoas estão realmente coletando dados, elas podem estar registrando populações em suas áreas, que na verdade se tornam parte de um banco de dados maior. Eu acho isso muito legal. Somos todos cientistas em algum nível, se estivermos curiosos.

 

[Science Yourself] Qual seria o seu conselho para alguém que é fascinado por ciências e educação e está pensando seriamente em se tornar um educador de ciências?

[Leslie Long]  Eu acabei de dizer que você não precisa ter todas as respostas. Uma coisa que eu diria para alguém que realmente quer se tornar um educador de ciências é fazer o máximo de cursos que puder. Porque isso também ajuda na autoconfiança. Agora, estou falando sobre pessoas que serão professores de ciências, não professores do ensino fundamental que são obrigados a ensinar uma ampla gama de matérias. Quanto mais conhecimento científico eu tenho, mais confiante eu fico. E quanto mais intrigado eu fico cada vez que encontro algo tão fascinante como um tópico [em particular], que suscita mais e mais perguntas, isso estimula o meu desejo de aprender mais. Para algumas pessoas que adoram ciências, estude um pouco de ciência você mesmo. Há muita literatura excelente sobre como as crianças aprendem ciências da melhor maneira. Há muito trabalho feito por cientistas cognitivos e outros que estudam a maneira como as crianças aprendem. Há uma ótima literatura que é realmente inspiradora. E faz com que a pessoa, antes de tudo, entenda melhor como as crianças aprendem, e faz um bom trabalho em nos ajudar a entender como ciências é melhor ensinada.


Previous
Previous

Entrevista com David Carter

Next
Next

Bem-vindos(as) ao BLOG de Science Yourself!